Enquanto eu não te encontro
Entrevista com o autor
1. Você descreve Enquanto eu não te encontro como uma história “orgulhosamente nordestina e LGBTQIAP+”. Você sente que escreveu o livro que gostaria de ter lido quando era adolescente?Com toda a certeza. O Pedro adolescente era viciado em livros jovens. À época, ainda era difícil encontrar títulos com temática LGBTQIAP+ até entre obras estrangeiras traduzidas, ainda mais livros brasileiros. Mesmo depois que essas publicações passaram a ganhar força no mercado nacional, ainda existe um grande vácuo de histórias nordestinas. Eu teria ficado muito feliz em ler uma narrativa com a minha cultura, trazendo as referências que amava. Achava, sinceramente, que nunca me veria tão bem representado na literatura. Fico feliz de ter escrito um livro que contribui para mudar isso.2. Antes de vencer a Clipop, essa história havia sido publicada como um e-book independente. Como foi a sensação de ter vencido o concurso literário? E o que mudou no texto da primeira edição para esta?Vamos ser sinceros? Foi uma das melhores sensações da minha vida! Dias desses estava me inscrevendo para o Big Brother Brasil (será que vem aí?), e uma das questões da seletiva era sobre a maior realização de nossas vidas. Eu escolhi essa, de tão marcante que foi. Em relação às mudanças no texto, muita coisa foi alterada. Não só os leitores passaram a conhecer a história completa de Lucas e Pierre, como todo o segmento do primeiro encontro foi transformado. Reduzimos bastante material dessa parte, domando o excesso de referências e até incorporando personagens novas, como a Thamy. Tudo isso foi essencial para dar fôlego ao livro.3. Como Lucas, o maior fã de Katy Perry do Brasil, se sentiria sabendo que sua história foi publicada pela Seguinte, uma editora assumidamente fã de Taylor Swift?Ok, vou quebrar o protocolo e dizer que eu morri de rir com essa pergunta. Olha, não é só o Lucas que é fã da Katy Perry: o autor também! Inclusive, é um dos principais elementos autobiográficos dessa história. Em 2015, Seguinte, o Lucas não reagiria tão bem. Mas em 2021, “You Need To Calm Down” já curou todas as feridas entre as fanbases, claro. Aposto que ele só enviaria o gif da Taylor e da Katy se abraçando como resposta.4. Qual é a sua formação, e quando você decidiu que queria ser escritor?Sou graduado em jornalismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, instituição onde o Lucas também estuda em Enquanto eu não te encontro. Comecei a escrever muito cedo, aos onze anos, em comunidades de RPG de Harry Potter no Orkut. Meus pais são artistas de rua, então cresci mudando de cidade. Os livros eram meus maiores aliados, e a escrita se tornou a minha forma mais genuína de expressão. Digo que quero ser escritor desde sempre. É bonito ver que hoje, anos depois, o sonho se tornou realidade.5. De Gretchen a Lady Gaga, passando por nomes da política nacional e da cena drag potiguar, o livro é recheado de referências populares de 2015. Por que você decidiu marcar a época em que o livro se passa dessa forma?O ano de 2015, início da minha jornada universitária, foi quando me mudei para Natal. Ao começar a escrever Enquanto eu não te encontro no ano seguinte, a história acabou trazendo o clima dessas experiências que tinha vivido. Foi um período de muita liberdade, de muitas “primeiras vezes”. Ia para todas as festas, conheci a cena drag (em 2017, até daria vida à minha própria personagem, BiBi Bitx) e participava ativamente do movimento estudantil da UFRN. E então deixei o livro de lado por alguns anos. Quando retornei a ele, percebi que havia se tornado um registro vivo daquela fase. Ao lê-lo, sinto que sou transportado no tempo. É incrível ter essa lembrança na literatura de uma fase que me marcou bastante — e olha que 2015 foi outro dia!6. Apesar de viver longe da família, Lucas está sempre rodeado de pessoas que o acolhem. Seja nos momentos de dor, seja entre risos e memes, Lucas, Eric, Ana e Thamirys formam uma verdadeira rede de apoio mútuo. Você acha que a história de Lucas teria sido diferente sem esse grupo de amigos?Há uma passagem, quando estão todos juntos, em que o Lucas fala que os amigos são a família que escolheu. Isso é simbólico. Para pessoas LGBTQIAP+, as famílias em que nascemos frequentemente não são espaços seguros e acolhedores, então a família escolhida é aquela que supre uma demanda existencial muito forte. Lucas só consegue ser quem é com leveza por ter esse sistema de apoio: um grupo de amigos que cuida, entende e, acima de tudo, o respeita. Sem eles, assim como tantos em nossa comunidade, Lucas teria uma vida bem menos colorida.7. Pierre é o garoto dos sonhos de Lucas — e certamente se tornou o de muitos leitores. De onde veio esse personagem lindo, que fala com uma mistura de sotaque potiguar e francês?Pierre nasceu das minhas projeções de um amor idealizado. Em vários sentidos, era a pessoa que eu teria adorado conhecer. É mais do que isso, porém. A falta de representatividade nordestina e LGBTQIAP+ na literatura e na mídia faz com que comédias românticas não carreguem nossos rostos. Quando aparecemos, somos estereótipos — a dor, a pobreza, a seca, o bruto… Essa invisibilidade cria uma sensação terrível de que não somos vistos. Mais ainda, de que não merecemos esses clichês, de que não temos o que é preciso para viver nossos finais felizes. Pierre, então, atua como um elemento de contraposição. Ele sou eu dizendo que até um protagonista gay e do interior do Nordeste pode se apaixonar por um francês em uma boate chamada Titanic! Pode parecer bobo para quem esse tipo de história nunca faltou, mas é único para quem raramente se viu nessa posição. Não que eu soubesse de nada disso no início, claro. A ideia de escrever o Pierre surgiu quando conheci um intercambista francês em Natal e fanfiquei horrores o boy comigo. Não rolou nada, mas pelo menos na ficção tinha que dar certo pra alguém (sorte do Lucas)!8. O relacionamento de Eric e Raul é uma das tramas paralelas mais fortes do livro. Apesar de se sentir amado, Eric acha que precisa se adaptar e se moldar às necessidades de Raul. Que mensagem você deixaria para leitores que já se sentiram — ou se sentem — dessa forma em um relacionamento?Nossa relação com os outros é apenas um reflexo do nosso relacionamento com nós mesmos. Eric finalmente percebe isso. Em determinado ponto, nota como dava poder às pessoas por ter uma percepção equivocada do próprio valor (algo que, no caso dele, é também resultado direto do racismo). O processo de autoconhecimento é algo que acontece tanto com Eric quanto com Lucas, e transforma a vida dos dois. Autoconhecimento não é nada além de se olhar com carinho, paciência e amor. Quando nos conhecemos de verdade, percebemos os padrões de dor que contribuem para atrair certas situações para nossas vidas, e nos damos conta de que merecemos muito mais do que relações que nos silenciam… Como canto na música “Desastre”, tudo o que busca já está dentro de você. Afinal, quando descobrimos nosso valor, não aceitamos menos do que ele.9. O fim do romance deixa os leitores curiosos sobre o que acontece depois do último encontro entre Lucas e Pierre. Teremos mais histórias sobre o nosso casal favorito no futuro?Tenho algumas ideias muito legais para conteúdos extras sobre esses dois! Mal posso esperar para escrever mais sobre eles. Até lá, vai depender dos leitores… Será que vão querer mais? Atenta!10. Diversos livros juvenis populares na época em que o livro se passa são mencionados ao longo do romance. Que livros publicados desde então o Lucas iria gostar de ler e você recomenda aos seus leitores?O Lucas amaria ler histórias como Vermelho, branco e sangue azul , da Casey McQuiston; Quinze dias, do Vitor Martins; Os sete maridos de Evelyn Hugo, da Taylor Jenkins Reid; E se fosse a gente?, da Becky Albertalli e do Adam Silvera; Bem-vindos à Rua Maravilha, do Gabriel Mar; e minha novela “O mar me levou a você”, em que o próprio Lucas faz uma participação especial!
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